Artigo 14 do Código Penal Comentado

Art 14 do CP comentado e atualizado, com doutrina e jurisprudência

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1 – DOUTRINA COM COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO 14 DO CÓDIGO PENAL

Art. 14. Diz-se o crime:

Crime consumado

I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;

Tentativa

II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Pena de tentativa

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços).

  1. Conceito de crime consumado: é o tipo penal integralmente realizado, ou seja, quando o tipo concreto se enquadra no tipo abstrato. Exemplo: quando A subtrai um veículo pertencente a B, com o ânimo de assenhoreamento, produz um crime consumado, pois sua conduta e o resultado materializado encaixam-se, com perfeição, no modelo legal de conduta proibida descrito no art. 155 do Código Penal.
  1. Conceito de tipo penal e sua estrutura: é a descrição abstrata de uma conduta, tratando-se de uma conceituação puramente funcional, que permite concretizar o princípio da reserva legal (não há crime sem lei anterior que o defina). A existência dos tipos penais incriminadores (modelos de condutas vedadas pelo direito penal, sob ameaça de pena) tem a função de delimitar o que é penalmente ilícito e o que é penalmente irrelevante, tem, ainda, o objetivo de dar garantia aos destinatários da norma, pois ninguém será punido senão pelo que o legislador considerou delito, bem como tem a finalidade de conferir fundamento à ilicitude penal. Note-se que o tipo não cria a conduta, mas apenas a valora, transformando-a em crime. O tipo penal vem estruturado da seguinte forma: a) título ou – nomen juris”: é a rubrica dada pelo legislador ao delito (ao lado do tipo penal incriminador, o legislador confere à conduta e ao evento produzido um nome, como homicídio simples é a rubrica do modelo de comportamento “matar alguém”). Sobre a importância do título, escreve DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO que “o legislador, ao utilizar o sistema de rubricas laterais, fornece uma síntese do bem protegido, apresentando importante chave hermenêutica. A partir da identificação do bem jurídico protegido é que se extrairá do texto legal sua virtude disciplinadora, concluindo quanto às ações capazes de afligir ou pôr em risco o objeto jurídico” (Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição, p. 34); b) preceito primário: é a descrição da conduta proibida, quando se refere ao tipo incriminador, ou a da conduta permitida, referindo-se ao tipo penal permissivo. Dois exemplos: o preceito primário do tipo incriminador do art. 121 do Código Penal é “matar alguém”; o preceito primário do tipo permissivo do art. 25 do Código Penal, sob a rubrica “legítima defesa”, é repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de terceiro, usando moderadamente os meios necessários; c) preceito secundário: é a parte sancionadora, que ocorre somente nos tipos incriminadores, estabelecendo a pena. Ex.: no crime de homicídio simples, o preceito secundário é “reclusão, de seis a vinte anos”.

25-A. Elementos do tipo penal incriminador: sendo ele o modelo legal abstrato de conduta proibida, que dá forma e utilidade ao princípio da legalidade (não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem lei anterior que a comine), fixando as condutas constitutivas dos crimes e contravenções penais, convém esmiuçar o estudo dos seus componentes. O tipo incriminador forma-se com os seguintes elementos: 1.º) objetivos, que são todos aqueles que não dizem respeito à vontade do agente, embora por ela devam estar envolvidos. Estes se subdividem em: a1) descritivos, que são os componentes do tipo passíveis de reconhecimento por juízos de realidade, isto é, captáveis pela verificação sensorial (sentidos humanos). Assim, quando se estuda o tipo penal do homicídio, verifica-se que é composto integralmente por elementos descritivos. Matar alguém não exige nenhum tipo de valoração ou interpretação, mas apenas constatação. Matar é eliminar a vida; alguém é pessoa humana; a2) normativos, que são os componentes do tipo desvendáveis por juízos de valoração, ou seja, captáveis pela verificação espiritual (sentimentos e opiniões). São os elementos mais difíceis de alcançar qualquer tipo de consenso, embora sua existência tenha justamente essa finalidade. Quando se discute, no crime de ato obsceno (art. 233), o conceito de obscenidade, sabe-se que este último termo não tem outra análise senão valorativa. A obscenidade, no cenário dos crimes contra os costumes, encontra variadas formas de visualização, motivadas por opiniões e por condições de lugar e tempo. Enfim, o elemento normativo produz um juízo de valor distante da mera descrição de algo. Podemos apontar, ainda, os juízos de valoração cultural (como a referida obscenidade nos crimes contra os costumes) e os juízos de valoração jurídica (como o conceito de cheque, no estelionato). Nas palavras de ROXIN, “um elemento é ‘descritivo’ quando se pode perceber sensorialmente, vale dizer, ver e tocar o objeto que designa. Neste sentido, o conceito de ‘ser humano’, ao qual se referem os tipos de homicídio, é um elemento descritivo. Pelo contrário, fala-se de um elemento ‘normativo’ quando somente existe no âmbito das representações valorativas e, por isso, somente pode ser compreendido espiritualmente. Assim ocorre com o conceito de alheio em meu segundo exemplo inicial [furto]. O fato de uma coisa ser propriedade de alguém não se pode ver, senão apenas entender-se espiritualmente conhecendo os contextos jurídicos” (La teoría del delito en la discusión actual, p. 197); 2.º) subjetivos, que são todos os elementos relacionados à vontade e à intenção do agente. Denominam-se elementos subjetivos do tipo específicos, uma vez que há tipos que os possuem e outros que deles não necessitam. Determinadas figuras típicas, como o homicídio (“matar alguém”), prescindem de qualquer finalidade especial para se concretizarem. Logo, no exemplo citado, pouco importa a razão pela qual A mata B e o tipo penal pode integralizar-se por completo. Entretanto, há tipos penais que demandam, expressamente, finalidades específicas por parte do agente; (fonte: NUCCI, Guilherme Souza. Código Penal Comentado, 16ª edição. Forense, 01/2016)

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  • Conceito de “iter criminis”

É o conjunto de fases pelas quais passa o delito.

  • Fases do “iter criminis”

Compõe-se das seguintes etapas: a) cogitação; b) atos preparatórios; c) execução; d) consumação.

  • A cogitação não é punível

A cogitação que não constitui fato punível é a que não se projeta no mundo exterior, que não ingressa no processo de execução do crime. Vide STJ, CComp 56.209/MA, rel. Min. Laurita Vaz, 3ª Seção, j. 14-12-2005, DJU, 6 fev. 2006, p. 196.

  • Distinção entre atos preparatórios e executórios

Segundo ZAFFARONI, trata-se de um dos maiores problemas relacionados com a legalidade penal, talvez o mais obscuro (prefácio da obra de NELSON R. PESSOA, La tentativa, 2. ed., Buenos Aires, Ed. Hammurabi, 1998, p. 18). Baseia-se em dois critérios: a) material: há ato executório quando a conduta do agente ataca o bem jurídico; b) formal: existe ato de execução quando o comportamento do agente dá início à realização do tipo. O critério material não satisfaz, pois o perigo ao bem jurídico também pode apresentar-se em face da realização dos atos preparatórios. De acordo com o segundo critério, só há começo de execução quando o sujeito inicia a realização da conduta descrita no núcleo do tipo, que é o verbo. Esse sistema não está livre de crítica. Há casos em que, embora o autor ainda não tenha iniciado a realização de um comportamento que se adapte ao núcleo do tipo, não se pode deixar de reconhecer o início de atos executórios do crime e a existência da tentativa. Em face disso, estamos hoje abandonando as teorias material e formal-objetiva e aceitando a objetiva-individual. Para ela, é necessário distinguir-se “começo de execução do crime” e “começo de execução da ação típica”. Se o sujeito realiza atos que se amoldam ao núcleo do tipo, certamente está executando a ação típica e o crime. Mas, como começo de execução da conduta típica não é o mesmo que começo de execução do crime, o conceito deste último deve ser mais amplo. Por isso, o começo de execução do crime abrange os atos que, de acordo com o plano do sujeito, são imediatamente anteriores ao início de execução da conduta típica. Nosso Código Penal, no art. 14, II, fala em início de execução do crime, não se referindo a início de execução da ação típica. Diante disso, é perfeitamente aceitável o entendimento de que também são atos executórios do crime aqueles imediatamente anteriores à conduta que se amolda ao verbo do tipo. A dúvida entre ato preparatório executório se resolve em favor do agente (RT, 515:369).

  • Importância da distinção entre preparação e execução do crime

Cogita-se da tentativa somente a partir da realização de atos executórios do crime. Antes, havendo atos preparatórios, em regra, a conduta é atípica.

  • Preparação impunível

Os atos preparatórios não são puníveis, a não ser quando o legislador os define como atos executórios de outro delito autônomo. Nesse sentido: TJSP, HC 153.111, JTJ, 150:321. Nesses casos, o sujeito pratica crime não porque realizou atos preparatórios do crime que pretendia cometer, mas sim porque realizou atos executórios de outro delito. Por exemplo: aquele que, desejando cometer uma falsidade, fabrica aparelho próprio para isso, responde pelo crime do art. 291 do Código Penal. É punido não porque realizou ato preparatório (a fabricação do instrumento) da falsidade futura, mas porque realizou a conduta descrita no dispositivo citado.

  • Hipóteses de atos meramente preparatórios, não havendo tentativa: empreendimentos criminosos frustrados

Sujeito apanhado no interior de casa, onde havia entrado para furtar: JTACrimSP, 44:171; susto por alarme no interior da casa onde havia ingressado para furtar: JTACrimSP, 64:256; sujeito surpreendido quando arrombava a janela: RT, 288:754 (solução discutível); agente surpreendido quando tentava trocar sua “máquina de fabricar dinheiro”: RT, 530:370; sujeito surpreendido no interior da igreja, onde havia penetrado para furtar: RT, 389:321; perfuração de parede com meio inidôneo: JTACrimSP, 72:311; vítima de estelionato (“conto do vigário”) que não se interessa pela “conversa” do agente: RT, 515:369; no furto, grito da acompanhante da eventual vítima, afastando o agente: JTACrimSP, 73:373; prisão do sujeito portando bilhetes de loteria para aplicação de “conto do vigário”: RT, 464:325; sujeitos que deixam a firma sem nada furtar: JTACrimSP, 65:289; colocação da mão na caixa de dinheiro da vítima: RT, 502:324; contrato de pistoleiro para execução de homicídio: RT, 472:375; agente surpreendido com a mão na janela de vidro: RT, 545:380; confecção de bilhete ameaçador tendente a extorsão mediante sequestro (RT, 650:297).

  • Hipóteses de atos executórios, havendo tentativa

Sujeito surpreendido dentro da residência onde havia penetrado para furtar: RT, 398:286 (há acórdão contrário na nota anterior); rondar a casa onde pretende cometer assalto: JTACrimSP, 71:65 (solução discutível); braço ferido ao tentar entrar em prédio onde o sujeito pretendia cometer furto: RTJ, 102:215; colher frutos na roça de terceiro: JTACrimSP, 42:121; sujeito surpreendido ao realizar escalada na residência onde pretendia cometer furto: JTACrimSP, 59:178.

CRIME CONSUMADO (I)

  • Conceito

A noção da consumação expressa a total conformidade do fato praticado pelo agente com a hipótese abstrata descrita pela norma penal incriminadora.

  • Crime exaurido

O crime consumado não se confunde com o exaurido. O iter criminis se encerra com a consumação. Essa afirmação, em regra, exclui que acontecimentos posteriores possam ter influência sobre a valorização do fato praticado. Assim, a corrupção passiva (art. 317) se consuma com a simples solicitação da vantagem indevida, mesmo que o intraneus não tenha a intenção de realizar a ação ou de abster-se de alguma prática. Se ele efetivamente recebe a vantagem, esse acontecimento posterior se situa na fase de exaurimento do crime, não tendo o condão de alterar a situação anterior. Nesse sentido: STJ, REsp 147.891, 5ª Turma, rel. Min. Édson Vidigal, RT, 761:568 e 570. O exaurimento pode apresentar-se sob três formas: 1ª) simples irrelevante penal; 2ª) delito autônomo; 3ª) tipo derivado (STJ, REsp 155.863, 5ª Turma, rel. Min. Félix Fischer, j. 17-3-1998, DJU, 18 maio 1998, p. 134).

  • A consumação nos crimes materiais

Nos crimes materiais, de ação e resultado, o momento consumativo é o da produção deste. Assim, consuma-se o homicídio com a morte da vítima. No aborto, o momento consumativo ocorre com a morte do feto. No estelionato, com a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio. (fonte: Jesus, Damásio de Código Penal anotado. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014)

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  1. Crime consumado: significado

A consumação é a completa realização do tipo penal; ou ainda: dá-se a consumação sempre que o agente realiza o tipo legal de crime integralmente, isto é, realiza-o objetiva e subjetivamente. A noção de consumação expressa, portanto, como diz Damásio de Jesus, a total conformidade do fato praticado pelo agente com a hipótese abstrata descrita pela norma penal incriminadora[583],. Fora daí, em princípio, a hipótese será a de crime tentado ou de ato simplesmente preparatório.

Com efeito, o Código (art. 14, II) considera consumado o crime “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”, significando dizer que só é possível saber se um crime está consumado (tipo consumado) apurando se o comportamento de que se trate perfaz todos os requisitos que compõem o tipo penal, ou seja, somente é possível saber se há ou não consumação confrontando-se o fato praticado com a redação (especialmente o verbo empregado) do delito em questão. Daí se dizer que a tentativa é um tipo dependente, pois não existe uma tentativa em si mesma, mas tentativa de um determinado crime, isto é, tentativa de homicídio, de furto etc.[584] Assim, a consumação do aborto dá-se com a morte do feto (art. 124: provocar aborto); a do sequestro, com a privação da liberdade de alguém (art. 148: privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado); a do furto, com a efetiva subtração da coisa alheia móvel (art. 155: subtrair coisa alheia móvel) etc.

Por essa razão é incorreta a Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal,[585] que considera consumado o crime de roubo seguido de morte ou latrocínio (CP, art. 157, § 3º, segunda parte) quando o agente mata a vítima, mas não consegue subtrair a coisa. É que em tal caso não se reúnem “todos os elementos de sua definição legal” (CP, art. 14, II), mas apenas uma parte importante desses elementos, já que o tipo se compõe de morte e subtração. Além disso, tratando-se de crime contra o patrimônio, não se pode considerá-lo consumado quando, embora realizado o crime-meio (homicídio), não se realize o crime-fim (roubo), razão pela qual só se pode falar de latrocínio consumado quando a morte e a subtração se consumarem, pois fora daí (morte tentada ou subtração tentada, indiferentemente), a hipótese será a de crime tentado apenas. Também não cabe falar de concurso de crimes (v.g., homicídio em concurso com roubo), visto que tal implicaria quebra da unidade concebida pelo Código, dando margem a um casuísmo ofensivo ao princípio da legalidade.

2.1. Consumação nos crimes materiais, formais, de mera conduta e outros

Nos crimes materiais, a consumação ocorre com a realização do resultado típico. Assim, o homicídio consuma-se com a morte da vítima; o furto, com a efetiva subtração da coisa. Já nos formais (de consumação antecipada), a consumação dá-se com a realização da ação típica, pouco importando o resultado. Assim, a concussão (CP, art. 316), cuja consumação ocorre com o só fato de o funcionário público exigir vantagem indevida, independentemente da efetiva obtenção dessa vantagem. Nos crimes de mera conduta ou de simples atividade, em que o tipo penal não alude a nenhum resultado (crimes sem resultado), a consumação se dá com a realização da conduta incriminada, tal como ocorre com a violação de domicílio (CP, art. 150). Nos crimes culposos, a consumação dá-se com o resultado naturalístico; nos omissivos próprios, com a respectiva omissão do dever legal; nos omissivos impróprios (crime material), com a produção do resultado lesivo; nos permanentes, a consumação se estende no tempo enquanto se mantém a violação ao bem jurídico por decisão do agente; e nos habituais, quando houver reiteração de atos capazes de configurar a habitualidade, já que atos isolados ou eventuais não são suficientes à consumação; e por fim, nos continuados, em princípio cada crime se consuma autonomamente, mesmo porque constitui um concurso material de crimes tratado como se constituísse crime único (CP, art. 71).

  1. Consumação e exaurimento

A doutrina distingue consumação de exaurimento, isto é, consumação formal de consumação material. A consumação é um conceito formal, pois é a completa realização do tipo. Mas nem sempre essa consumação formal do tipo coincide exatamente com o plano último do autor. E o exaurimento, que pressupõe a consumação do tipo penal, é a total realização do projeto do autor, e que, por isso, está (normalmente) além dos limites do dolo do respectivo tipo.

Há, pois, exaurimento de um crime sempre que, consumado formalmente o tipo, o agente conseguir realizar o projeto de crime que o movia: suceder à vítima que matou, ascender na carreira, eliminar a concorrência, obter determinada vantagem ilícita, lucrar com a coisa subtraída etc.[587]

Assim, por exemplo, a concussão e a corrupção passiva (CP, arts. 316 e 317) consumam-se com o só ato de exigir ou solicitar vantagem indevida, razão pela qual a eventual obtenção dessa vantagem constituirá mero exaurimento de crimes já consumados.

Normalmente, o exaurimento constitui um fato penalmente irrelevante, mas casos há em que ora configura delito autônomo, ora circunstância qualificadora ou similar, a exemplo da corrupção passiva (CP, art. 317, § 1º), hipótese em que, se o funcionário público retarda ou deixa de praticar ato de ofício, a pena é aumentada; e da resistência (CP, art. 329, § 1º), quando a inexecução do ato legal torna o crime qualificado.

Eventualmente, o exaurimento pode ser também importante para efeito de individualização da pena, prescrição, participação etc.

  1. Tentativa: conceito e requisitos

Existe tentativa sempre que o agente, tendo iniciado a execução do crime, não lograr consumá-lo por circunstâncias alheias à sua vontade. A tentativa é, portanto, a realização incompleta da infração penal, porque, embora haja a realização completa da parte subjetiva do tipo (dolo), a parte objetiva não se perfaz plenamente, em virtude da interrupção (não voluntária) do iter criminis. Do ponto de vista subjetivo, portanto, não há distinguir entre tentativa e consumação, visto ser o dolo (dolo de consumar) rigorosamente o mesmo num e noutro caso.

Se a consumação é, pois, a completa realização dos elementos do tipo penal (objetiva e subjetivamente), a tentativa constitui a sua realização incompleta, vale dizer, é a não consumação do delito por circunstância alheia à vontade do agente.

Nesse exato sentido dispõe o Código (art. 14, II) que há tentativa quando, “iniciada a execução, o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”, razão pela qual é só em referência à descrição específica de um tipo legal de crime que se poderá distinguir a consumação da tentativa e também assim entre esta e os atos preparatórios. São, por conseguinte, requisitos da tentativa: a) início da execução do crime; b) não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente. Poder-se-ia também incluir o dolo de consumar entre os requisitos, mas tal já está implícito no item b, além de dizer respeito também à consumação. E mais: a tentativa só é possível nos crimes dolosos.

Inicialmente, só cabe falar de tentativa quando o autor tiver dado início à execução do crime com dolo de consumá-lo. Assim, o processo de execução do homicídio tem início com os disparos de arma de fogo (ainda que erre o alvo); o roubo, com a ameaça exercida contra a vítima; e o estupro, com o emprego de ameaça ou violência destinada à consumação da conjunção carnal ou outro ato libidinoso. É que em todas essas situações há início do matar alguém (art. 121), do subtrair coisa alheia móvel (art. 157) e do constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, à conjunção carnal ou a praticar outro ato libidinoso (art. 213).

Mas não basta que se dê início à execução do crime; é necessário ainda que haja interrupção do iter criminis por fato independente da vontade do autor (exige-se consumação completa do tipo subjetivo), ou seja, é preciso que a consumação não ocorra por circunstâncias alheias (estranhas) à sua vontade, tais como: reação/resistência da vítima, intervenção de terceiro etc., pois do contrário, isto é, se a consumação não ocorrer em razão de desistência voluntária do próprio agente ou de arrependimento eficaz seu – circunstâncias dependentes (não alheias) da sua própria vontade –, já não se poderá falar de crime tentado, por ausência de requisito essencial: não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Não há tentativa, portanto, embora iniciada a execução do crime, quando o agente, depois de dar o primeiro disparo, desiste de prosseguir ou, mesmo após realizar todos os disparos, arrepende-se e presta socorro à vítima, evitando-lhe a morte (ausência do dolo de consumar). É que a tentativa, à semelhança da consumação, exige o tipo subjetivo (dolo) completo.[589]

Finalmente, só se pode falar de tentativa considerando-se, para tanto, o conteúdo da vontade do agente, isto é, o dolo. Assim, se A agride B, ferindo-o gravemente, tal situação tanto poderá configurar crime consumado quanto tentado, a depender da sua intenção: se a vontade de A era matar B, a hipótese é de homicídio tentado; se era sua intenção causar-lhe lesão corporal simplesmente, responderá por lesão corporal consumada. Daí aludir o Código alemão,[590] ao definir a tentativa, à representação do autor, pois o critério para verificação da tentativa ou consumação não é puramente objetivo; é também subjetivo. (fonte: QUEIRO, Paulo. Direito Penal: parte geral. 7 Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011)

2 – JURISPRUDÊNCIA SOBRE O ARTIGO 14 DO CÓDIGO PENAL

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PECULATO TENTADO. ART. 312 C/C ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ACERVO SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA PENAL TENTATIVA. AUSÊNCIA DE DIMINUIÇÃO. REDIMENSIONAMENTO. SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE.

1) Existindo prova suficiente da autoria e da materialidade do crime imputado, não há como afastar o comando condenatório, diante dos elementos colhidos no caderno probatório, restando comprovado que o acusado, no exercício do cargo público, por equiparação, se apropriou de transformador trifásico de empresa terceirizada, não consumando o ato por circunstâncias alheias a sua vontade. 2) Se a dosimetria penal deixou de observar as regras dos artigos 59 e 68 do Código Penal, com obediência ao critério trifásico, relativamente à diminuição pela tentativa, deve ser feito o respectivo redimensionamento. 3) Recurso conhecido e provido parcialmente. (TJAP; APL 0000915-31.2013.8.03.0003; Câmara Única; Rel. Des. Agostino Silvério; Julg. 16/04/2019; DJEAP 02/05/2019; Pág. 32)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA DO RECORRENTE PELA INFRAÇÃO AO ART. 121 C/C ARTIGO 14, II, DO CÓDIGO PENAL.

  1. Preliminar de nulidade processual. Ausência de laudo pericial complementar de lesões corporais sofridas pela vítima. Rejeição. Laudo pericial acostado aos autos, com resposta positiva ao quesito referente à existência de risco de morte decorrente das lesões sofridas pela vítima. Prova necessária à pronúncia do recorrente pela suposta prática de tentativa de homicídio. Ausência de interesse da defesa na produção de prova que demonstraria que as lesões causaram danos à saúde da vítima. Inexistência de prejuízos à defesa. Princípio pas de nullité sans grief (art. 563 do CPP). Incidência. 2.pedido de despronúncia. Não cabimento. Indícios suficientes de autoria extraídos dos autos. Laudo de exame de lesões corporais. Relevância do depoimento da vítima sobrevivente confirmando a narrativa constante na denúncia. Confirmação, pelo recorrente, de que houve uma discussão entre ele e a vítima, e de que o copo de vidro, que lesionou a vítima, estava consigo no momento em que os fatos aconteceram. Elementos indiciários que atestam que teria sido o recorrente o autor do delito. Inadmissibilidade de análise das versões apresentadas pela vítima e pelo acusado. Decisão definitiva que compete ao tribunal do júri. Incidência do princípio da soberania dos veredictos. Pronúncia que deve ser mantida. Recurso conhecido e não provido. (TJBA; RSE 0367774-05.2013.8.05.0001; Salvador; Segunda Turma da Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. João Bosco de Oliveira Seixas; Julg. 26/04/2016; DJBA 02/05/2019; Pág. 734)

APELAÇÃO. ROUBO MAJORADO TENTADO. ART. 157,§2º, I E II, DO CP C/C ART. 14, II, TODOS DO CP. VISTA DOS AUTOS À PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PARA EMISSÃO DE PARECER. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO CUSTOS LEGIS. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO. NÃO CABIMENTO. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVO. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO DO ART. 226 DO CPP. MERA IRREGULARIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO TENTADO. IIMPOSSIBILIDADE. GRAVE AMEAÇA CONFIGURADA. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. HIPÓTESE DE COAUTORIA. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO PREVISTA NO INCISO I, § 2º, DO ART. 157 DO CÓDIGO PENAL. GRAVE AMEAÇA EXERCIDA COM EMPREGO DE ARMA BRANCA. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. REVOGAÇÃO DA MAJORANTE PELA LEI Nº 13654/18. REDUÇÃO MÁXIMA DA CAUSA DE REDUÇÃO DA TENTATIVA. IMPERTINÊNCIA. BOA PARTE DO ITER CRIMINIS PERCORRIDO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. DE OFÍCIO. INÍCIO IMEDIATO DA EXECUÇÃO DA PENA DIANTE DA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA PELO ÓRGÃO COLEGIADO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. DECISÃO DO STF PELO JULGAMENTO DO ARE 964246.

A emissão de parecer pela douta Procuradoria de Justiça não ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, por estar o órgão ministerial, em segunda instância, atuando como custos legis, e não como parte. Nos crimes contra o patrimônio, entre eles o roubo, a palavra da vítima e os depoimentos das testemunhas, quando corroborados por outros elementos e em harmonia com as demais provas e dos abalizados indícios amealhados ao longo da instrução, são provas mais do que suficientes para alicerçar o Decreto condenatório. A jurisprudência pátria é remansosa no sentido de que a inobservância das formalidades do reconhecimento pessoal não contamina os elementos probatórios dos autos, notadamente quando realizado com segurança pela vítima em Juízo, sob o crivo do contraditório, e a sentença vem amparada em outros meios de prova. Incabível a desclassificação para a conduta de furto tentado uma vez que o crime foi praticado com grave ameaça, a saber, o uso de arma branca. Não há que se falar em participação de menor importância daquele que se coloca na posição de coautor do delito, detendo o domínio funcional do fato. Com o advento da Lei nº 13.654, de 23 de abril de 2018, de vigência imediata, houve a revogação expressa do inciso I, do § 2º, do art. 157 do Código Penal. Assim, nos crimes de roubo praticados com violência ou grave ameaça com emprego de arma imprópria ou branca não haverá mais a incidência de qualquer causa de aumento, passando, portanto, a serem tratados como roubo simples. Inviável a redução máxima (2/3) pela incidência da causa geral de diminuição de pena prevista no artigo 14, II do CP uma vez que o autor percorreu boa parte do iter criminis, realizando tudo aquilo que estava a seu alcance. Conforme determinação do Supremo Tribunal Federal no recente julgamento do ARE nº 964246, deve ser adotado o entendimento de que, assim que exauridas as possibilidades de recurso em segunda instância (embargos declaratórios e infringentes), é possível o início da execução da pena condenatória confirmada pelo órgão colegiado, sendo prescindível o trânsito em julgado da aludida decisão. (TJMG; APCR 0626990-11.2016.8.13.0024; Belo Horizonte; Sexta Câmara Criminal; Rel. Des. Jaubert Carneiro Jaques; Julg. 23/04/2019; DJEMG 02/05/2019)

APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO. ART. 157,§2º, II, C/C ART. 14, II, DO CP. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RÉU QUE REALIZOU OS ATOS EXECUTÓRIOS DA CONDUTA. PRÁTICA DE ATOS RELEVANTES. CORRUPÇÃO DE MENORES. ART. 244-B, DO ECA. RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. IMPOSSIBILIDADE. TRÊS SUJEITOS PASSIVOS ATINGIDOS. LESÃO CORPORAL GRAVE. ART. 129,§1º, I, DO CP. DÚVIDAS QUANTO AO DOLO. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE. PENA-BASE. ANÁLISE ESCORREITA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. PENA PECUNIÁRIA. LIGEIRA DESPROPORCIONALIDADE.

Sendo o réu coautor do roubo, com relevante contribuição, descabe resumir sua atuação à participação de menor importância, figura reservada às hipóteses de diminuto auxílio periférico. O bem jurídico tutelado pelo crime de corrupção de menores é a formação moral da criança e do adolescente. Com efeito, se três impúberes tiveram seu amadurecimento moral violado, incabível o reconhecimento de crime único. Não havendo provas de que o denunciado tenha concorrido para a prática do crime, sobretudo por não ter sido ele o autor do golpe que lesionou a ofendida, de rigor o acolhimento do pleito absolutório em relação ao crime previsto no art. 129,§1º, I, do CP. Na primeira fase da aplicação da pena, as circunstâncias previstas no art. 59, do CP são denominadas de judiciais, justamente por serem de apreciação exclusiva e reservada do julgador, o qual usará de seu poder discricionário na avaliação de cada uma delas. Havendo ligeira desproporcionalidade na quantificação da pena de multa, de rigor o seu redimensionamento a fim de que guarde simetria com o patamar de fixação da reprimenda privativa de liberdade. (TJMG; APCR 0458783-40.2017.8.13.0145; Juiz de Fora; Sexta Câmara Criminal; Rel. Des. Jaubert Carneiro Jaques; Julg. 23/04/2019; DJEMG 02/05/2019)

PENAL E PROCESSO PENAL. ART. 217, C/C OS ARTS. 71 E 226, II, TODOS DO CP, EM CONCURSO MATERIAL COM O DELITO DO ART. 217-A, C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CP. ACUSADO CONDENADO À PENA DE 29 ANOS, 11 MESES E 20 DIAS DE RECLUSÃO, NO REGIME INICIAL FECHADO. APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. INVIABILIDADE. PALAVRAS DAS VÍTIMAS ALINHADAS AOS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA COLHIDOS NOS AUTOS. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 83 DESTA CORTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTOS IDÔNEOS E RESPEITO À DISCRICIONARIEDADE VINCULADA DO JULGADOR. PENAS INALTERADAS. APELO DESPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

Nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima é de suma importância para o esclarecimento dos fatos, considerando a maneira como tais delitos são cometidos, ou seja, de forma obscura e na clandestinidade. Nessa toada, este e. Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 83, segundo a qual nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima é de relevante valor probatório. Na espécie, as declarações das vítimas encontram-se alinhadas com os demais relatos testemunhais colhidos, ao passo em que a versão do acusado restou isolada nos autos, tanto que as testemunhas de defesa apenas assentaram que ele possuía sentimento de pai com em relação a uma das vítimas, nada mencionando acerca da eventual possibilidade de perseguição da tia das ofendidas por conta de uma casa. Quanto à dosimetria da pena, observa-se que, de forma fundamentada, o juízo a quo afastou-se do piso legal, destacando os elementos que o levaram a concluir pela necessidade de um maior rigor penal (excesso de atos libidinosos, como sexo oral, anal, vaginal, toques impudicos e fricção do órgão genital, bem como o efetivo abalo psicológico sofrido por uma das ofendidas, que vem tendo pensamentos suicidas e já tentou se matar uma vez), motivo pelo qual, em respeito à discricionariedade vinculada do julgador, deve ser mantida a pena-base de 9 anos e 6 meses de reclusão aplicada em relação ao delito consumado, pois proporcional à gravidade do crime e ao intervalo máximo e mínimo de pena previsto para o tipo penal violado, qual seja, 8 a 15 anos. Em relação ao delito tentado, a pena-base já foi fixada no piso legal, inexistindo, no ponto, interesse recursal. Sabe-se que a escolha da fração redutora da tentativa tem por base o critério do iter criminis percorrido, de modo que, quanto mais próximo da consumação, menor será a redução. Na espécie, o sentenciante, considerando as investidas do acusado contra a sobrinha da sua esposa, considerou que a fração mínima de 1/3 deveria ser aplicada ao caso, a qual deve ser mantida, pois, de fato, o acusado chegou a tocar a vítima por sob as vestes, não conseguindo seu intento efetivo por circunstâncias alheias à sua vontade. Apelo não provido. Decisão unânime. ACÓRDÃO. (TJPE; APL 0023757-16.2016.8.17.0001; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. Mauro Alencar de Barros; Julg. 17/04/2019; DJEPE 02/05/2019)

APELAÇÃO CRIMINAL. O ACUSADO FOI CONDENADO PELA PRÁTICA DOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS 157, § 2º, INCISOS I E II, TRÊS VEZES, NA FORMA DO ARTIGO 70, E ARTIGO 157, § 2º, INCISOS I E II, NA FORMA DO ARTIGO 14, INCISO II, TODOS DO CP, E ARTIGO 244-B, DA LEI Nº 8069/90. FORAM APLICADAS AS PENAS DE 09 (NOVE) ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, E 19 (DEZENOVE) DIAS-MULTA, NO MENOR VALOR UNITÁRIO. NÃO LHE FOI CONCEDIDO O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE, TENDO SIDO MANTIDA A CAUTELAR INICIADA EM 23/07/2017. RECURSO DEFENSIVO REQUERENDO A ABSOLVIÇÃO DOS CRIMES DE ROUBO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA, E DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES POR AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O MENOR TENHA SIDO INSERIDO NA VIDA CRIMINOSA PELO APELANTE. SUBSIDIARIAMENTE, PLEITEOU A REDUÇÃO DA PENA-BASE AO MÍNIMO LEGAL, O RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA MENORIDADE E ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA PELO CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.

  1. Segundo a denúncia, no dia 23/07/2017, por volta de 00h30min, na Avenida Monsenhor Félix, Irajá, Capital, o denunciado, em concurso de ações e desígnios com o adolescente L. C. M. E. Da S. E outros dois indivíduos ainda não identificados, mediante grave ameaça, consubstanciada através do uso de armas de fogo, subtraiu o veículo Fiat/ Linea, placa OXJ-1352, cor prata, e 01 aliança, ambos de propriedade da vítima Bruno de Oliveira Lima; 01 aliança de Ana Carolina Duarte; e 01 aliança e 01 carteira de propriedade de Felipe Duarte. 2. Após compulsar os autos, verifico que o conjunto probatório não é robusto para sustentar a condenação pelo roubo duplamente circunstanciado tentado. A materialidade do fato é inconteste. Contudo, a autoria não restou indubitável. 3. Não foi realizado o reconhecimento do autor do delito pelas vítimas deste fato. Além do que, as vítimas não foram ouvidas em juízo para esclarecer os fatos. A lesada CARMEM LUCIA, ouvida em sede policial, disse que foram três os roubadores, quando as provas dos autos apontam para cinco, então não restou claro quais dos indivíduos estavam envolvidos nesse crime. Dos policiais militares ouvidos nos autos, TARCISIO, que no segundo momento quando estava ocorrendo o roubo tentado interrompeu os roubadores quando rendiam as vítimas, narrou que não viu o acusado no local, assim como o policial LUCIANO. O policial ADAILTON disse que apenas efetuou a prisão do acusado que estava dentro do quintal de uma residência próximo ao local, juntamente com o adolescente, não presenciando os fatos. 4. Desta forma, embora existam fortes indícios de que o acusado, ora apelante, seja um dos autores do roubo tentado, não temos provas irrefutáveis, devendo as dúvidas militarem a favor da defesa, impondo-se a absolvição do apelante quanto a este fato. 5. Já não podemos dizer o mesmo do crime de roubo consumado. A materialidade, bem como a autoria, restou devidamente provada pelo robusto caderno probatório. 6. A vítima BRUNO reconheceu o acusado, com segurança, tanto em sede policial quanto em juízo, fornecendo detalhes dos fatos, esclarecendo a conduta do acusado no momento da abordagem, não deixando dúvidas quanto a este fato. 7. Em que pese as testemunhas ANA CAROLINA e FELIPE não terem reconhecido o acusado, suas declarações corroboraram as informações prestadas pela vítima BRUNO. 8. Desta forma, correto o juízo de censura em relação ao crime de roubo duplamente circunstanciado consumado. 9. A mesma solução é aplicada ao crime previsto no artigo 244-B, do ECA. Sempre entendemos que deve ser demonstrada a existência do elemento subjetivo do tipo, o que seria imprescindível a uma condenação, mas as cortes superiores possuem o entendimento de que basta provar que o acusado cometeu um crime em companhia do menor para configurar o delito previsto no artigo 244-B, do ECA. 10. Por outro lado, não há como adotar concurso material entre os delitos de roubo e corrupção de menor, sendo certo que, se é suficiente a prova de que o acusado cometeu o crime principal, para ocorrer a corrupção de menores, independentemente de maiores incursões em relação ao elemento subjetivo do tipo, não há como reconhecer desígnios autônomos. 11. A pena-base do crime remanescente foi fixada no mínimo legal. 12. Não merece acolhida o pleito defensivo de redução da pena pela atenuante de menoridade relativa abaixo do mínimo legal, diante do previsto na Súmula nº 231, do STJ. 13. Pelo concurso formal entre os crimes de roubo, foi aplicada pela sentenciante a fração de 1/6 (um sexto). Contudo, diante do reconhecimento do concurso formal entre os crimes de roubo e corrupção de menor deve ser aplicada a fração de 1/5 (um quinto), tendo em vista a quantidade de delitos praticados (3 delitos de roubo e corrupção de menor), não se tratando de reformatio in pejus, já que foi afastado o cúmulo material das respectivas penas. 14. O regime deve ser abrandado para o semiaberto, diante das circunstâncias favoráveis ostentadas pelo acusado, bem como o quantum da reprimenda. 15. Recurso conhecido e parcialmente provido, para absolver o acusado pela prática do delito previsto no artigo 157, § 2º, I e II, na forma do artigo 14, II, ambos do Código Penal, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, reconhecer o concurso formal entre os crimes de roubo e corrupção de menor, e mitigar a resposta penal do crime remanescente que resta aquietada em 06 (seis) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, no regime semiaberto, e 12 (doze) dias-multa, no menor valor unitário. Oficie-se. (TJRJ; APL 0185374-91.2017.8.19.0001; Rio de Janeiro; Quinta Câmara Criminal; Rel. Des. Cairo Italo França David; DORJ 02/05/2019; Pág. 144)

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