Desconsideração da Personalidade Jurídica Significado Novo CPC

Artigo de doutrina sobre a desconsideração da personalidade jurídica no novo CC e CDC, sobretudo para entender-se seu significado e requisitos.

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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO NOVO CPC: REQUISITOS

( 1 ) Surgimento da personalidade jurídica: efeitos patrimoniais

 

Antes de cuidarmos do significado da teoria da desconsideração da personalidade jurídicapara alguns doutrinadores é o mesmo que “teoria da superação”, “teoria da penetração” ou ainda “Disregard Doctrine — tema de fundo destas breves linhas, faremos considerações prévias do surgimento da personalidade jurídica; mais propriamente acerca dos efeitos jurídicos do aparecimento da personalidade jurídica.

 

Respeitante à personalidade jurídica da pessoa natural, a doutrina civilista majoritária inclina-se que o seu surgimento se dá com o nascimento com vida.

 

Apoiam-se, sobretudo, na redação que repousa no Código Civil:

 

Art. 2° – A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

 

É dizer, o então nascituro, do nascimento com vida – v.g., com a primeira troca de oxigênio no mundo exterior –, tem reconhecida sua personalidade jurídica.

 

Com isso, a partir de então tem para si, dentre outros atributos inerentes à personalidade, o direito à moral, à imagem, a um nome, à liberdade etc.

 

De outro ângulo, agora com respeito à pessoa jurídica de direito privado, essa passa a existir a contar do registro de seu ato constitutivo no registro próprio.

 

Confira-se:

CÓDIGO CIVIL

 

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

 

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Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).

 

Dessa forma, formando-se a personalidade jurídica da sociedade empresária, têm-se alguns efeitos daí decorrentes, como, v.g., nome empresarial próprio, nacionalidade e domicílio.

 

Acima de tudo, inclusive esse aspecto reflete nosso propósito de fundo destas considerações, a titularidade de um patrimônio próprio; distinto do patrimônio dos sócios, portanto.

 

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Com esse enfoque, convém ressaltar as lições de Sérgio Campinho:

 

“Detentora de personalidade jurídica, a sociedade é capaz de direitos e obrigações, passando a ter existência distinta de seus membros. “ (CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 5 Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 63)

 

Com a mesma sorte de entendimento professam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

 

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“O consectário natural da personalização das pessoas jurídicas é o reconhecimento de sua autonomia patrimonial em relação aos seus instituidores, como sustentado alhures.

O ordenamento jurídico confere personalidade jurídica às empresas, permitindo que formem uma esfera jurídica e patrimonial autônoma e independente, apartada do patrimônio individual de cada um de seus sócios.”(FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 10ª ed. Salvador: Juspodivm, vol. 1, 2012, p. 447)

 

Contudo, lamentavelmente, surge dessa autonomia patrimonial da sociedade empresária um problema muito comum: a ocultação do patrimônio da sociedade com o propósito de fraudar os credores.

 

Tal postura funciona como uma espécie de blindagem patrimonial.

 

O patrimônio social não se confunde com o dos sócios, como acima salientado.

 

Quando a sociedade empresária se encontra insolvente, não é raro encontrarmos sócios agindo de má-fé procurando encobrirem os bens da sociedade de eventual constrição judicial.

 

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Trava-se, com isso, uma batalha judicial acirrada entre devedor e credor.

 

Esse procurará “quebrar” essa blindagem patrimonial, também expressada por Nelson Rosenvald e Cristiano Farias como sendo o “véu societário”.( ob. cit., p. 452)

 

Ampliando tais argumentos, também sustenta Paulo Nader que esse princípio (da desconsideração) identicamente é conhecido como liftin or piercing the veil, que revela ser levantando ou perfurando o véu. (Curso de direito civil, 7 Ed., Rio de Janeiro: Forense, vol. 1, 2010, p. 215) (cf. também Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 23 Ed., Rio de Janeiro: Forense, vol 1, 2010, p. 286)

 

Nesse contexto, surge a possibilidade do credor formular em juízomais a frente irei destacar que essa conduta processual necessita de requerimento expresso do credor (NCPC, art. 135 e segs.) –, com o fito de “superar” essa blindagem patrimonial; um pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

 

Ademais, se aceita (a desconsideração), tal situação processual ocorrerá episodicamente.

 

É dizer, é um acontecimento transitório que não importa na “despersonificação” da pessoa jurídica.

 

Portanto, a sociedade empresária é preservada.

 

Todavia, oportuno destacar que, acertadamente, alguns Tribunais têm entendido que, tratando-se de “firma individual” – pois se trata de uma ficção jurídica –, não se faz necessário o pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

 

Com efeito, vejamos o seguinte julgado que bem explana esse entendimento:

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. MICROEMPRESA. AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO ENTRE O PATRIMÔNIO DA PESSOA FÍSICA E JURÍDICA.

Em que pese a parte agravada, seja microempresa e firma individual, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica é diverso das razões apresentadas em recurso para que a responsabilidade por obrigações assumidas pela recorrida recaiam sobre o patrimônio particular de seu titular. – É vedada a apreciação em sede de agravo de questão não submetida ao juízo e primeiro grau, sob pena de supressão de instância e ofensa ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Agravo de instrumento desprovido. (TJRS; AI 0030179-48.2016.8.21.7000; Novo Hamburgo; Décima Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Gelson Rolim Stocker; Julg. 14/04/2016; DJERS 22/04/2016)

 

Interessante evidenciar o ponto de vista salientado pelo professor Rubens Requião, quando, comentando julgado originário do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, assim ressalvou:

 

“O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito de imposto de renda (Ap. Cív. nr. 8.447 – Lajes, in Bol. Jur. ADCOAS, nr. 18.878/73).”(REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25 ed. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 2005)

( 2 ) Desconsideração da personalidade jurídica: objetivo

 

Tendo-se em conta a situação acima descrita, percebeu o legislador pátrio que seria de toda conveniência fosse provido o credor de mecanismos para inviabilizar a fraude na recepção do crédito inadimplido.

 

Surge, então, aprumado na legislação alienígena, a figura jurídica da desconsideração da personalidade jurídica.

 

A primeira norma nacional que agregou tal hipótese foi o Código de Defesa do Consumidor, datado dos idos de 1990.

 

A esse propósito, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho assim aduzem:

 

“O Código Civil de 1916, todavia, por haver sido elaborado no final do século XIX, época em que os tribunais da Europa se deparavam com os primeiros casos de aplicação da teoria, não dispensou tratamento legal à teoria da desconsideração.

 

Coube à jurisprudência, acompanhada eventualmente por leis setoriais, o desenvolvimento da teoria no Direito Civil brasileiro.

 

Nesse contexto, deve ser lembrada a importante contribuição dada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), que incorporou em seu sistema normativo norma expressa a respeito da teoria da desconsideração: “(GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. 14 ed. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 2012, p. 279)

 

Citando antes um exemplo bastante esclarecedor, Fábio Ulhoa Coelho discorre acerca da situação em que o devedor almeja favorecer uma blindagem patrimonial e, com esse enfoque, sustenta a separação da autonomia dos bens dos sócios:

 

“Como se vê destes exemplos, por vezes a autonomia patrimonial da sociedade empresaria dá margem à realização de fraudes. Para coibi-las, a doutrina criou, a partir de decisões jurisprudenciais, nos EUA, Inglaterra e Alemanha, principalmente, a ‘teoria da desconsideração da personalidade jurídica’, pela qual autoriza o Poder Judiciário a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que ela tiver sido utilizada como expediente para realização de fraude.”(COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 126)

 

Nesse compasso, a desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento que serve de anteparo para, eficientemente, permitir que o credor possa, por intermédio do Poder Judiciário, coibir os abusos ou fraudes de devedores inescrupulosos.

 

( 3 ) Desconsideração da personalidade jurídica: requisitos

 

De outra banda, mister acentuar que a separação de bens da sociedade e de seus componentes societários é a regra.

 

É dizer, afastar-se a personalidade jurídica da sociedade para atingir o patrimônio dos sócios não é o ordinário. A exceção, portanto.

 

Bem a propósito são as colocações evidenciadas por Sílvio de Salvo Venosa, quando o mesmo chama atenção que não só o patrimônio dos sócios pode ser atingido.

 

Para além disso, outras pessoas jurídicas ou naturais, alheias ao quadro social, as quais, de forma direta ou indireta, igualmente tenham participado da fraude. (VENOSA, Sílvio de Salvo, cf. Direito Civil. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 290)

 

Comumente nos deparamos com casos onde, na praxe jurídica, o credor, por meio de seu advogado, pelo simples fato isolado (por si só) da inadimplência da sociedade empresária, requerer a superação da personalidade jurídica dessa.

 

Não é o caso, por certo.

 

É altamente ilustrativo trazer à colação os seguintes arestos:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA. SUCESSÃO EMPRESARIAL. LIAME NÃO DEMONSTRADO. EMPRESAS ATUANTES EM RAMOS DIVERSOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESVIO DE FINALIDADE E CONFUSÃO PATRIMONIAL NÃO DEMONSTRADOS. RECURSO NÃO PROVIDO.

O pleito de desconsideração da personalidade jurídica e reconhecimento de sucessão empresarial com o intuito de fraudar credores, exige, no primeiro caso a evidenciação de forma segura do abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de personalidade, seja pela confusão patrimonial e, no segundo, a demonstração de liame entre as sociedades imputadas. Exige-se maior rigor da prova relativa à sucessão empresarial quando evidenciado que as empresas que supostamente se sucederam exercem atividades totalmente diversas. Recurso não provido. (TJMG; AI 1.0145.11.039004-7/001; Relª Desª Claret de Moraes; Julg. 16/02/2016; DJEMG 29/02/2016)

 

CIVIL. PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO. PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MAIOR. DESVIO DE PERSONALIDADE. CONFUSÃO PATRIMONIAL. PROVA CABAL. INEXISTÊNCIA.

O Código Civil adotou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica em que, além do prejuízo aos credores, exige-se prova do desvio de finalidade (afastamento do objeto social descrito no ato constitutivo) ou da confusão patrimonial, caracterizada pela ausência de separação entre o patrimônio dos sócios e da sociedade empresária. 2. Na via estreita do agravo de instrumento, não é possível verificar a existência de relevante fundamentação que lastreie o pedido de desconsideração de personalidade jurídica, que depende, necessariamente, da demonstração de confusão patrimonial ou de desvio de finalidade da pessoa jurídica, conforme preceitua o art. 50 do Código Civil. 3. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TJDF; Rec 2015.00.2.027720-4; Ac. 921.556; Terceira Turma Cível; Relª Desª Maria de Lourdes Abreu; DJDFTE 26/02/2016; Pág. 152)

 

Ora, fosse assim poucos agregariam esforços para constituir uma sociedade empresária.

 

Afinal, por qualquer imperfeição na administração da empresa, a qual trouxesse inadimplência, seria o suficiente para os sócios sofrerem a dura penalidade da constrição de seus patrimônios pessoais.

 

Felizmente não é assim, em regra.

 

Por padrão o direito pátrio adota os ditames do quanto contido no art. 50 do Código Civil, quando tratamos de desconsiderar a personalidade jurídica, que assim reza:

 

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” (sublinhamos)

 

Por esse norte, ou seja, quanto aos requisitos para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, são estas linhas professadas por Paulo Lôbo:

 

“Nas demais hipóteses regidas pelo CC, não basta, por exemplo, a insolvência, pois há de se provar o desvio de finalidade ou a demonstração da confusão patrimonial.”( LÔBO, Paulo. Direito civil. 3 Ed. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 2012, p. 175)

 

Ratificando as linhas doutrinarias supramencionadas, outrossim manifestando-se acerca dos requisitos à desconsideração da personalidade, novamente colacionamos as palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

 

14.5. Requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica

De acordo com o art. 50 do Código Civil, é possível desconsiderar a personalidade jurídica, por ato judicial, em caso de abuso de direito caracterizado por i) desvio de finalidade ou ii) confusão patrimonial, deixando antever uma opção explícita pela teoria maior objetiva da desconsideração da personalidade jurídica, não perquirindo de elementos de natureza subjetiva (não se discute o grau de intenção fraudulenta dos sócios)” (ob cit., p. 456)

 

Com esse enfoque:

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO.

Execução de título extrajudicial. Decisão que indeferiu a desconsideração da personalidade jurídica. Pleito para o seu deferimento. Possibilidade. Configuração dos elementos previstos no art. 50 do Código Civil. Dissolução irregular cumulada com a insolvência patrimonial. Frustação de todas as tentativas para obter se o crédito. Reforma da decisão exarada pelo juízo a quo para autorizar a desconsideração. 1. A aplicação do art. 50 não pode ser indiscriminada, sob pena de corromper o sistema e a própria função de tipificação de modelos societários. Os pressupostos para a sua aplicação são: a) existência da pessoa jurídica distinta de seus sócios. Logo deverá ter situação de registro e existência, pois quando for uma sociedade de fato, a responsabilidade será voltada diretamente aos seus membros; b) a sociedade limitada, pois se fosse ilimitada, a desconsideração seria desnecessária; c) verificação dos pressupostos objetivos de abuso da personalidade, fraude pautada pelo desvio de personalidade ou confusão patrimonial (medina, José miguel Garcia; Araújo, fábio caldas de. Código Civil comentado. São Paulo: editora revista dos tribunais. 2014).2. Recurso conhecido e provido. (TJPR; Ag Instr 1450726-3; Curitiba; Décima Segunda Câmara Cível; Rel. Juiz Conv. Luciano Carrasco Falavinha Souza; Julg. 16/03/2016; DJPR 20/04/2016; Pág. 294)

 

E foi justamente por essa razão que, agora, vê-se no Código de Processo Civil:

 

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

 

1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

 

É dizer, para que o incidente tenha pertinência, deverá o credor-exequente, necessariamente, comprovar que o pleito atende aos pressupostos previstos na Legislação Substantiva.

 

3.1. O abuso de direito

 

Da leitura da norma supra-aludida, percebe-se que a mesma reclama, para fins de superação da personalidade jurídica, o abuso de direito.

 

Como bem salienta Sérgio Campinho, a mera incompetência na administração da sociedade empresaria não poderá ser, por isso só, motivo suficiente para superar-se a personalidade jurídica e, com isso, penetrar-se no patrimônio dos sócios. (ob cit, p. 69)

 

Com efeito, no diploma legal antes mencionado (CC, art. 50) – adotando a “teoria maior” —, reivindica, antes, o abuso de direito para autorizar-se a invasão do patrimônio de terceiros. (cf. CC, art. 187)

 

É considerado abuso de direito, em outras palavras, ato ilícito, quando, ausente o ânimo de causar dano a outrem, o sujeito supera os limites da normalidade admitidos em lei.

 

Digamos, ilustrativamente, que determinada instituição financeira detenha porta giratória que detecta metais. Até aí nada de anormal.

 

Afinal, além de ser permitida por lei, serve, maiormente, como proteção do usuário bancário.

 

Todavia, nessa mesma situação, se o preposto dessa instituição financeira resolve frustrar a entrada dos usuários e/ou correntistas com posturas inadequadas (v.g., pede para levantar a blusa, ordena que um cadeirante retorne por conta do acesso dificultoso etc), aí, sim, estamos diante de situação que ultrapassou aquela hipótese legal de proteção.

 

Nesse compasso, caberá, para efeito de desconsideração da personalidade jurídica, à luz dos ditames fixados no Código Civil (CC, art. 50), seja comprovado o abuso de direito.

 

Para o legislador, nesse caso, esse é caracterizado pelo desvio de finalidade ou, alternativamente, em face da confusão patrimonial.

 

3.1.1. Desvio de finalidade

 

Como bem defendem Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel de Melo, o desvio de finalidade pode assim ser considerado na eventualidade de comprovação de atividades desconectadas daquelas autorizadas à pessoa jurídica; em face do exercício de atividades ilícitas e, ainda; quando a sociedade empresária é utilizada com o fito de enriquecimento de seus sócios. (Manual de direito civil, Salvador: juspodvim, 2013, p. 213)

 

Nesse mesmo passo são as lições de Flávio Tartuce:

 

“Em resumo, não se pode esquecer que, para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, devem ser utilizados os parâmetros constantes do art. 187 do CC, que conceitua o abuso de direito como ato ilícito. Esses parâmetros são o fim social ou econômico da empresa, a boa-fé objetiva e os bons costumes, que constituem cláusulas gerais que devem ser preenchidas pelo aplicador caso a caso. “( Direito civil: lei de introdução e parte geral, 8 ed., São Paulo: Método, 2012, p. 244)

 

Abaixo transcrevemos trecho de julgado que aponta uma hipótese típica de desvio de finalidade:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO EMPRESARIAL. DIREITO CIVIL. MONITÓRIA. DESCONSIDERAÇÃO PERSONALIDADE JURÍDICA. ENCERRAMENTO IRREGULAR. INDÍCIO DE ABUSO DE PERSONALIDADE. ESVAZIAMENTO PATRIMÔNIO PESSOA JURÍDICA. EXCEPCIONALIDADE CONFIGURADA. AGRAVO PROVIDO. A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional que depende de comprovação de que ocorreu desvio de personalidade ou confusão patrimonial. 2. A dissolução irregular não é, por si só, motivo para decretação da desconsideração; entretanto é importante indício do abuso da personalidade jurídica. 3. A associação da dissolução irregular com outros indícios, como o esvaziamento da pessoa jurídica configura-se como uso indevido da personalidade jurídica com objetivo de impedir o cumprimento das obrigações pactuadas, o que leva ao desvio de personalidade e, consequentemente, autoriza a desconsideração da personalidade jurídica. 4. Recurso conhecido e provido. (TJDF; Rec 2014.00.2.025433-3; Ac. 874.894; Quarta Turma Cível; Rel. Des. Romulo de Araujo Mendes; DJDFTE 02/07/2015; Pág. 162)

 

3.1.2. Confusão patrimonial

 

A confusão patrimonial é, de longe, o episódio com maior número de ocorrências no cotidiano forense.

 

Nesse caso, constata-se um baralhamento entre o patrimônio da sociedade empresária e com os dos sócios dessa.

 

Isso acontece, máxime, quando há a transferência direta dos valores pertencentes à sociedade empresária à pessoa do sócio. Sem sombra de dúvidas um ato ardil.

 

Demonstra-se, com isso, a confusão patrimonial, quando, no caso, créditos da sociedade são confundidos com aqueles dos sócios.

 

É preciso não confundir-se, óbvio, com a distribuição de lucros, o que seria uma postura administrativa legal.

 

Ao contrário disso, o que acontece é um depósito de valores direto na conta do(s) sócio(s).

 

Digamos, grosseiramente, “entra no caixa da empresa, transfere-se para conta do(s) sócio(s)”.

 

Assim, astuciosamente o dinheiro não para na conta da empresa e, evidente, inviabilizará qualquer tentativa de penhora de bens.

 

Bem elucidativos os julgados abaixo destacados:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE MANTIDA. CONFUSÃO PATRIMONIAL CONFIGURADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Demonstrada a situação de miserabilidade econômica da empresa autora, que tem contra si várias execuções, inclusive, (ação cautelar preparatória nº 0800959-13.2011), onde foi deferida liminar para tornar indisponíveis os seus bens móveis e imóveis e o bloqueio de contas e movimentações financeiras da pessoa jurídica, razoável neste momento a concessão dos benefícios da gratuidade judicial. Aplica-se a desconsideração inversa da personalidade jurídica, quando demonstrada a ocorrência da confusão patrimonial da empresa agravante nos termos do que dispões o art. 50 do Código Civil. (TJMS; AI 1412103-25.2015.8.12.0000; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Divoncir Schreiner Maran; DJMS 28/01/2016; Pág. 9)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. PESSOA JURÍDICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. DESCONSTITUIÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO.

Nos termos do art. 50 do ccb, a desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional que somente pode ser determinada quando caracterizado o desvio de finalidade, a confusão patrimonial, bem como dissolução irregular, o que restou demonstrado no caso dos autos. Agravo de instrumento provido. (TJRS; AI 0385781-82.2015.8.21.7000; Estância Velha; Décima Quinta Câmara Cível; Relª Desª Ana Beatriz Iser; Julg. 20/01/2016; DJERS 27/01/2016)

 

( 4 ) As teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica

 

Quando se argumenta em teorias maior e menor, tem-se em foco duas possibilidades diferentes de atuar-se com o propósito de desconsiderar a personalidade jurídica:

 

uma, a teoria maior, que reserva maior amplitude de fatos a serem comprovados para ensejar mencionada desconsideração;

 

a segunda, a teoria menor, diversamente, dispensando maiores provas, assenta-se tão só, como regra, a insuficiência patrimonial da sociedade empresaria para pagar seus credores.

 

 4.1. A teoria maior

 

É a regra geral adotada no sistema jurídico brasileiro (CC, art. 50).

 

Para a desconsideração da personalidade, com ênfase nessa teoria, pede-se sejam demonstrados, de maneira alternativa, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade.

 

Nesse contexto, a simples insolvência do devedor não é motivo suficiente para afastar o véu da personalidade jurídica.

 

Desse modo, o emprego da teoria maior, como se percebe, vai além do mero obstáculo ao recebimento do crédito.

 

É necessário provar-se o “abuso da personalidade jurídica”. Portanto, há mais requisitos a serem atendidos. Daí ser, digamos, por isso, “maior”.

 

Referida teoria maior, ademais, é subdividida em objetiva e subjetiva, como abaixo destacamos.

 

4.1.1. A teoria maior objetiva

 

Nessa hipótese, consoante consagrados autores da doutrina civilista, tem-se em conta a ausência de ânimo, de propósito específico de fraudar a lei. (Por todos, cf. Flávio Tartuce, Direito civil…, vol 1, p. 240)

 

 4.1.2. A teoria maior subjetiva

 

Novamente apoiamo-nos no magistério de Cristiano Chaves de Farias e Nélson Rosenvald, quando, com muita propriedade, afirmam que a teoria maior subjetiva reclama, sobretudo, a existência de ato intencional de prejudicar ou fraudar terceiros. (ob cit, p. 455)

 

4.2. A teoria menor

 

Adota-se referida teoria, em regra, pelo simples fato da inexistência de capacidade financeira para responder com o débito.

 

Não há que se falar, portanto, de qualquer situação fática de propósito fraudulento ou abusivo perpetrado pelo devedor.

 

A mera insolvência, desse modo, é o elemento-chave que possibilita a desconsideração da personalidade jurídica. Assim, um único pressuposto. Por essa razão, “menor”.

 

Regra legal típica que configura a teoria menor é o Código de Defesa do Consumidor (CDC, art. 28, § 5o). Há também a Lei Antitruste (Lei nº 12.529/11), a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98, art. 4o) etc.

 

Conclusão

 

Certamente, maiormente à luz dos fundamentos acima debatidos, o princípio da autonomia patrimonial deve ser privilegiado.

 

Afinal, do contrário, poucos arriscariam em formalizar uma sociedade empresaria, quando, por qualquer motivo, pudessem a vir responder com seu patrimônio.

 

No entanto, não podemos perder de vista o significante número de fraudes existentes, em sua grande parte buscando fraudar os credores quanto ao recebimento de seus créditos.

 

Nessas hipóteses, obviamente, de muito proveito e até salutar a utilização do mecanismo previsto em lei com esse propósito, ou seja, a desconsideração da personalidade jurídica. (NCPC, art. 133 e segs.)

 

Desse modo, as eventuais fraudes se submetem ao crivo do Judiciário, o qual, da análise do caso concreto, possibilitará a invasão ao patrimônio dos sócios para quitar eventual dívida pendente.

 

Espero ter auxiliado…

 

Vejo você na próxima dica.

 

Alberto Bezerra

 

PS.: Se vocês gostou, por favor compartilhe. Agradeço-lhe.

 

5 Comentários
  1. Cândida Carvalho Usuário diz

    Excelente a matéria. Bem fundamentada, ao alcance de todos par um entendimento do assunto. Enriqueceu minha pesquisa .

    1. Cândida Carvalho Usuário diz

      Excelente a matéria.Rica em conteúdo e exemplos. Texto claro e objetivo que elucida muitas dúvidas. Ampliou meus conhecimento – ainda incipiente na área – e me ajudou na pesquisa

    2. Alberto Bezerra Usuário diz

      Obrigado, colega Cândida. Um abraço.

  2. Laerte da Cruz Usuário diz

    Excelente trabalho professor. Muito ilustrativo e explicativo, adorei!

    1. Alberto Bezerra Usuário diz

      Obrigado, colega Laerte. Um abraço.

  3. […] modo óbvio isso muda radicalmente o caminho a ser trilhado para se obter a constrição de ativos financeiros. No entanto, aqui, revelamos algumas formas de se desvendar a figura da pessoa, na qual o executado […]

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